INTRODUÇÃO
Nem todos os 10 ramos da família Tupi contam com trabalhos descritivos ou teóricos sobre orações adverbiais. Discutiremos algumas das línguas que contam com trabalhos sobre o tema em 9 ramos da família, propondo representações arbóreas das estruturas sintáticas a partir das descrições existentes na literatura. Ao contrário de trabalhos como Gijn et al (2015), que propõem análises semânticas das orações adverbiais, este trabalho concentra-se em estruturas sintáticas. Nos casos em que há nominalizações na formação das orações adverbiais, utilizamos estruturas nominalizadas (sintagmas nominais ou sintagmas determinantes), mas naqueles em que não há nominalização explícita na descrição, propomos outras maneiras de representar as estruturas em questão (sintagmas verbais, adverbiais, aspectuais, complementizadores). Em nossa proposta, é possível haver orações adverbiais que têm a forma de sintagmas posposicionais e que incluem nominalizações como complemento da posposição e outros que incluem apenas sintagmas verbais como complemento da posposição. Trata-se de uma interpretação guiada pela morfologia presente em cada língua, sem pressupor que a presença de uma posposição indique necessariamente a presença de uma oração nominalizada como complemento da posposição. Assim, fica mais explícita a construção apresentada para cada estratégia de subordinação adverbial em cada língua, para que possamos comparar as línguas e famílias em busca de semelhanças e diferenças. Este esforço comparativo pode contribuir eventualmente para a reconstrução das construções sintáticas da língua mãe de todas as línguas Tupi, o Proto-Tupi.
A adjunção de uma oração adverbial é um subtipo de subordinação na nossa análise, no espírito da teoria gerativa. Um adjunto, na teoria X-barra, não está completamente contido em um XP (sintagma projetado por X) como um complemento (irmão de X) ou um especificador (irmão de X') estão, mas fica ligado a ele como um modificador (irmão de XP). Consideramos que uma oração adverbial — seja ela um sintagma nominal (NP), um sintagma posposicional (PP), um sintagma adverbial (AdvP), um sintagma aspectual (AspP) ou um sintagma complementizador (CP) — é, portanto, um adjunto da oração principal. Como a maioria dos adjuntos oracionais nas línguas Tupi podem se adjungir à direita ou à esquerda de qualquer oração principal, consideramos que na estrutura arbórea da sentença, a oração adjunto esteja ligada diretamente ao XP que define a oração matriz (representada como IP), seja à sua direita ou à sua esquerda.
ORAÇÕES ADVERBIAIS NA SUBFAMÍLIA ARIKÉM: LÍNGUA KARITIANA
Storto (1999) descreveu as orações subordinadas em Karitiana como sendo necessariamente verbo-finais e não-finitas, enquanto orações principais são sempre finitas (expressando tempo futuro ou não-futuro e concordância absolutiva) e verbo-iniciais (sentenças assertivas) ou têm o verbo em segunda posição. SVO é a ordem não-marcada nas declarativas, enquanto OVS é a ordem nas sentenças declarativas de foco do objeto. O único núcleo funcional presente nas subordinadas é o aspecto, e por esta razão Storto (1999) considera que as subordinadas não apresentam complementizadores, sendo estruturalmente truncadas, no sentido de serem constituídas, no máximo, como Sintagmas Aspectuais e não possuírem flexão ou tempo. Modo não ocorre em subordinadas, e as orações negativas matriz não apresentam morfologia de tempo, apenas negação privativa nas subordinadas (Storto, 2018).
Storto (2012) elaborou uma primeira descrição das subordinadas adverbiais, relativas e complemento em Karitiana, apresentando as adverbiais como sendo expressas através de um auxiliar aspectual pós verbal, que não estaria presente nos outros tipos de subordinadas. A autora explicou que sintaticamente uma oração relativa se distribui como um SN, pois se trata de orações relativas de núcleo interno, enquanto as adverbiais são adjuntos da oração principal. As subordinadas "complemento" de verbos como "dizer, pensar, saber, amar, querer" são todas marcadas como um argumento oblíquo (ou seja, não seriam objeto direto, mas objeto indireto) do verbo da oração principal. Estes verbos são sintaticamente intransitivos de acordo com vários testes de intransitividade (Rocha 2011).
Rocha (2016) notou que as orações relativas também podem receber auxiliares aspectuais, e que a diferença entre relativas e adverbiais em que os mesmos auxiliares aspectuais estão presentes é o sufixo adverbializador -t/zero, que estaria presente apenas nas adverbiais e nunca nas relativas. O alomorfe -t sufixa as raízes terminadas em vogais e o alomorfe -zero ocorre após raízes terminadas em consoantes. Adotamos esta análise para explicar a sintaxe de várias orações adverbiais em Karitiana, como os exemplos abaixo, correspondendo ao tipo semântico das adverbiais temporais de acordo com Cristofaro (2003):
(1) Adverbial de aspecto com byyk ("depois")
| [ambi-sok | j̃onso | otam | byyk-ø] | ø-na-oky-t | him | taso |
| casa-em | mulher | chegar | POST-ADVZ | 3-DECL-matar-NFUT | caça | homem |
Depois que a mulher chegou em casa, o homem matou a caça.
Fonte: Rocha, 2016, p. 145
A noção de "depois", que na tradução desta adverbial em português corresponde a tempo, em Karitiana é analisada por Storto (2012) como aspecto posterior e como aspecto perfeito por Rocha (2016).
Muller e Heleno (2022) adotam a análise de Rocha (2016) de que byyk introduz aspecto perfeito, e analisam as adverbiais traduzidas em português como "antes", que para Storto (2012) era uma oração de aspecto "anterior", como orações negativas de aspecto perfeito. Vivanco e Bassa Vanrell (2023) também adotam a análise de que estas orações dependentes introduzidas por "antes" são negadas. Adotaremos a análise de negação proposta pelas autoras supracitadas para as adverbiais temporais traduzidas em português com "antes". Storto (2018) descreve os fenômenos de negação em Karitiana, mostrando que nas subordinadas a negação ocorre marcada no verbo com o morfema ki-. Quando este morfema é sufixado pelo adverbializador -t, a vogal i da negação fica prolongada: kiit
(2) Adverbial com ki ("antes") analisada como VP negada e adverbializada
| [São | Paulo | pip | y-otam | kii-t] | ∅-naka-pop-∅ | Maria |
| São | Paulo | em | eu-chegar | NEG-ADVZ | 3-DECL-morrer-NFUT | Maria |
'Antes de eu chegar em São Paulo, Maria morreu.'
(literalmente: eu não tinha chegado em SP, Maria morreu)
Fonte: Storto, 2012
Podemos representar a oração acima com a seguinte estrutura (note que as adverbiais temporais sempre podem adjungir-se à direita ou à esquerda do IP, e que na estrutura arbórea abaixo o adjunto aparece à direita da oração principal):
Fonte: autoria própria
Além do aspecto posterior byyk, temos outros morfemas marcadores de aspecto que aparecem em subordinadas adverbiais, indicando que há auxiliares aspectuais de vários tipos em Karitiana (que recebem prefixos ainda não bem descritos e sufixos, ou que estão compostos conforme salientamos abaixo). Alguns destes auxiliares ocorrem em orações principais com a mesma função de aspecto imperfectivo (Storto, 2012) sufixados por tempo, e por isso são considerados auxiliares aspectuais:
(3) Adverbial de aspecto com durativo (pl.) e inceptivo progressivo agi'oot (agi-´oot)
| [Aj-oty-p | aj-hot | agi-'oot-ø] | y-ta-so'oot-Ø | yn | ajxa-ty |
| 2p-banhar-LOC | 2p-ir.PL | IMPF.PL-PGR-ADVZ | 1SG-DECL-ver-NFUT | eu | vocês-OBL |
'Quando vocês estavam indo banhar, eu encontrei vocês'
Fonte: Storto, 2012a, p. 13
(4) Adverbial de aspecto perfectivo factual com tykiri (tyki-t-i)
| Y-ta-ahy-t | yn | [y-pyt'y | tyki-r-i] |
| 1-DECL-beber-NFUT | eu | eu-comer | PERF-ADVZ-FACT |
'Quando/se eu comer, eu bebo.'
Fonte: Storto, 2012b, p. 227
(5) Adverbial de aspecto perfectivo tykiri (tyki-t-i)
| Ø-Na-ahy-t | taso | [ta-pyt'y | tyki-r-i] |
| 3-DECL-beber-NFUT | homem | 3ANAF-comer | PERF-ADVZ-FACT |
'Quando/se o homem comer, ele (mesmo) bebe.'
Fonte: Storto, 2012b, p. 227
(6) Adverbial de aspecto perfectivo com tyym ("quando completivo")
| [Ayry | tyym-Ø] | yjxa | ø-na-oky-j |
| 2-chegar | ASP-ADVZ | 1PL.INCL | 3-DECL-matar-FUT |
'Quando você chegar, nós vamos matar (caça).
Fonte: Storto; Thomas, 2012
(7) Adverbial de aspecto imperfectivo com tyka (tyka)
| [[j̃onso | otam | tyka-t] | ø-na-oky-t | him | taso |
| mulher | chegar | IMPF.MOV-ADV | 3-DECL-matar-NFUT | caça | homem |
"Enquanto a mulher estava chegando em casa, o homem matou a caça."
Fonte: Rocha, 2016, p. 126
(8) Adverbial de aspecto imperfectivo progressivo com tyki´oot (tyki-'oot)
| [Gok | Maria | amang | tyki-'oot-ø] | ø-na-oky-t | him | taso |
| mandioca | Maria | plantar | IMPF-PGR-ADVZ | 3-DECL-matar-NFUT | caça | homem |
'Enquanto a Maria estava plantando mandioca, o homem matou a caça.'
Fonte: Storto; Thomas, 2012, p. 5
(9) Adverbial imperfectivo progressivo com tysypy´oot (tysyp
| morã-song | ta'ã-ty | i-pymbowak | a-ta-popi | saryt-Ø | [ta-tat | tysypy-'oot-Ø] |
| WH-para | EVID.DIR-OBL | 3-desejar.matar | OFC-DECL-matar.PL | EVID.IND-NFUT | 3ANAF-ir | IMPF-PGR-ADVZ |
'Diz que quem queria matar ele morreu enquanto ele estava subindo'
Vivanco (2019, 2024) sugere, baseada em testes sintáticos de extração de constituintes, que orações adverbiais são nominalizadas em Karitiana por um morfema -a/-Ø, mas não adotaremos esta análise, pois não é verdade que este morfema ocorre consistentemente em todas as adverbiais nos ambientes fonológicos esperados. Se ela estivesse certa, esperaríamos que o alomorfe -a ocorresse sempre após raízes terminadas em consoantes e o alomorfe -Ø após raízes terminadas em vogais, mas isso não acontece. Nos exemplos deste artigo, os exemplos (10) e (23) mostram que há um putativo morfema -a, identificado como nos exemplos, logo após a raiz verbal antes do auxiliar aspectual e do adverbializador. Isso indica que este morfema não deve ser o responsável pelos os efeitos de extração mencionados por Vivanco, mas que a adverbialização via -t/-Ø é que explica estes efeitos, já que a adverbialização está presente em todas as orações adverbiais.
Fonte: autoria própria
Storto (2013) discutiu a interpretação temporal das orações adverbiais em Karitiana na ausência de morfologia de tempo nas subordinadas, afirmando que as adverbiais são interpretadas semanticamente com o mesmo tempo da oração principal. Os exemplos abaixo confirmam esta análise. Por exemplo, em (10)-(12) temos a tradução das sentenças complexas em português no presente (10), futuro (11) e passado (12), sendo que o tempo está marcado morfologicamente na oração principal e as adverbiais acompanham esta interpretação:
(10) Adverbial com aspecto progressivo inceptivo -´oot ("enquanto")
| [Milena | pytim'a-dn-'oot-Ø] | ø-naka-kak | tysyp-Ø | João |
| Milena | trabalhar-ADJ-PGR-ADV | 3-DECL-dormir | IMPF-NFUT | João |
'Enquanto Milena está trabalhando, João está dormindo'
(11) Adverbial com aspecto perfectivo tyki-r-i ("quando")
| [Ta-otam | tyki-r-i] | ø-na-so'oor-i | João | Milena-ty |
| 3ANAF-chegar | PERF-ADVZ-FACT | 3-DECL-ver–FUT | João | Milena-OBL |
'Quando João chegar ele vai ver a Milena'
(12) Adverbial de propósito com o morfema -p
| Gopi-p | ø-nakatat-Ø | ombaky | by'edna | [sosy | oky-p] |
| mata-em | 3-DECL-ir-NFUT | onça | de.criação | tatu | matar-PROSP |
'O cachorro foi à mata para matar tatu'
No exemplo (13) vemos para expressar o sentido de razão, às vezes é possível usar a posposição sogng e o auxiliar aspectual tykiri no mesmo ambiente sem mudança de sentido, mas que em outros casos, como em (14) usa-se apenas sogng. Isso se explica, provavelmente, pela classe semântica do verbo usado em cada caso (atividade versus estado):
(13) Adverbial de razão com sogng ou tykiri
| Ambip | ø-na-aka-t | João | [e | yryt-y | sogng/tyki-r-i] |
| casa-em | 3-DECL-COP-NFUT | João | chuva | chegar | POSP/PERF-ADVZ-FACT |
'João ficou em casa porque estava chovendo'
(14) Adverbial de Razão com sogng
| Koot | na-aka-t | João | ambi-p | [ta-'a | sara´i-dna | sogng] |
| ontem | 3-DECL-COP-NFUT | João | casa-em | 3ANAF-fazer | ruim-ADJ | POSP |
'Ontem João ficou em casa porque estava cansado'
(15) Adverbial Condicional com tykiri e sujeito anafórico
| [Ambip | ta-aka | tyki-r-i], | Ø-naka-kat-Ø | tysyp | João |
| casa-em | 3ANAF-COP | PERF-ADVZ-FACT | 3-DECL-dormir-NFUT | IMPF | João |
'Se João está em casa, ele deve estar dormindo'
(16) Adverbial Condicional com tykiri e sujeito referencial
| [E | yryt | tyki-r-i] | Ø-naka'a | tyka-t | João | ambi-p |
| chuva | chegar-PERF-ADVZ-FACT | 3-DECL-fazer | IMPF-NFUT | João | casa-em |
'Se estiver chovendo, João deve estar em casa'
(17) Adverbial Condicional Contrafactual com o morfema -p
| [E | yryt-yp] | j᷉yr-aka-t | João | ambi-p |
| chuva | chegar-CONTRAF | COND-COP-DECL-NFUT | João | casa-em |
'Se estivesse chovendo, João estaria em casa'
(18) Adverbial de propósito com nominalizador –pa e adverbializador -t
| Yn | Ø-na-amang-Ø | gijo | [pyt'y-pa]-t] |
| eu | 3-DECL-plantar-NFUT | milho | comer-NOM-ADV |
'Eu planto milho para comer (literalmente "para alimentação")'
Fonte: autoria própria
(19) Adverbial Condicional com -´oot
| [E | yryt-y-'oot-Ø] | yn | ø-na-amang-Ø | gijo | sypo |
| chuva | chegar-PGR-ADVZ | eu | 3-DECL-plantar-NFUT | milho | semente |
'Se chove, eu planto semente de milho'
(20) Adverbial de tempo com ki ("antes") e adverbializador -t
| [ta-mboryty | kii-t] | Ø-naka-m'a-t | i | ti' | y |
| 3ANAF-sair.PL | NEG-ADVZ | 3-DECL-CAUS-fazer-NFUT | ele | comida |
'Antes de sair, ele faz a comida'
(21) Adverbial de tempo com ki ("antes") e adverbializador -t
| [Milena | otam | kii-t] | Ø-nakatar-i | João | gopi-p |
| Milena | chegar | NEG-ADVZ | 3-DECL-CAUS-ir-FUT | João | mata-para |
'Antes de Milena chegar, João irá para a mata'
(22) Adverbial de tempo com ki ("antes") e adverbializador -t
| [Koot | Milena | otam | kii-t] | Ø-naka-tat-Ø | João | gopi-p |
| ontem | Milena | chegar | NEG-ADVZ | 3-DECL-CAUS-ir-NFUT | João | mata-para |
'Antes que a Milena chegasse ontem, João foi para a mata'
(23) Adverbial com aspecto progressivo ´oot ("enquanto")
| [Go | pimoj᷉-'oot-Ø] | apynda-t | ø-na-se'a-dn-Ø | gap | pytim'a-dn-a |
| dia | escuro-VT-PGR-ADVZ | sempre-ADVZ | 3-DECL-bom-ADJ-NFUT | roça | trabalhar-ADJ-VT |
'Enquanto o céu está nublado, é sempre mais fácil trabalhar na roça'
Fonte: autoria própria
Ferreira e Storto (2023) apresentaram a análise de que -p não é necessariamente uma posposição que indica propósito em adverbiais (exemplo (12), como sugerido por Rocha (2016)), mas que pode ser usado também como contrafactual, o que está exemplificado em (17). A distribuição complementar entre tykiri e -p (Ferreira; Storto, 2023) para as orações adverbiais condicionais sugere que -p seja contrafactual e o -i de tykiri seja factual.
Nesta seção mostramos que as orações adverbiais em Karitiana são todas adverbializadas por um sufixo -t/-Ø, e que podem ser orações não finitas projetadas por uma negação privativa (NegPs), orações nominalizadas por -pa (NPs), orações complemento de posposições (PPs) ou orações complemento de auxiliares aspectuais (AspPs). Os únicos exemplos em que não podemos afirmar que o adverbializador realmente ocorra são os exemplos com as posposições -p e -sogng, pois o alomorfe do adverbializador nestes casos seria sempre nulo pelo fato das posposições em questão terminarem em consoante.
ORAÇÕES ADVERBIAIS NA SUBFAMÍLIA TUPARI
Galúcio (2011) descreve orações adverbiais em Sakurabiat (Mekéns) como modificadores do sintagma verbal (para nós, VP) ou da oração principal (para nós, IP). Na nossa concepção sintática, modificadores são adjuntos de sintagmas ou orações (neste caso, adjuntos do sintagma VP ou da oração principal, IP).
A estrutura interna das orações adverbiais, tal qual descrita por Galúcio (2011) pode ser a de (1) sintagmas posposicionais (o complemento de P pode ser nominalizado por um sufixo (ou pode conter um demonstrativo); (2) sintagmas aspectuais (orações que usam auxiliares aspectuais imperfectivos); (3) sintagmas verbais derivados a partir de sintagmas nominais pelo verbalizador –nã; (4) sintagmas verbais em série que podem servir como modificadores do evento principal.
Galúcio (2011) afirma que a estratégia (1) é uma das mais comuns, e chama esta estratégia de nominalização (seguida de Posposição). Alguns exemplos são apresentados abaixo, nos quais adicionamos parênteses para mostrar a oração adverbial com o nominalizador (para nós N, que projeta o sintagma NP) ou demonstrativo (para nós, D, que projeta o sintagma DP) seguida de uma posposição. Na nossa interpretação a posposição =ese seleciona, obrigatoriamente, um sintagma nominal, um sintagma determinante ou uma oração nominalizada:
(24) Oração adverbial de tempo em Sakurabiat
| [[o-e-pɨbor-a | õt | kaab]=ese] | e-opap-para | e-ko-a |
| 1s-INTRVZR-chegar-V.TEM. | eu | DEM=LOC | 2SG-milho-descascar | 2s-AUX.MOV.IMPF.PAS |
'Eu cheguei quando você estava tirando os grãos da espiga de milho.'
[Literalmente: 'Eu cheguei, com isso, você estava tirando os grãos da espiga de milho.']
Fonte: Galúcio, 2011, p. 35
Fonte: autoria própria
(25) Oração adverbial de tempo em Sakurabiat
| kɨrɨt | se-ayt-kwa-t | [se-akar-ab]=ese]] |
| criança | 3C-chorar-TR-PAS | 3C-cair-NMLZ=LOC |
'A criança chorou quando ela caiu.'
[Literalmente: 'A criança chorou com a sua própria queda.']
Fonte: Galúcio, 2011, p. 32
Fonte: autoria própria
(26) Oração adverbial de razão em Sakurabiat
| e-i-sõpo | naar-iat | [o-toap | mepkwa-ab]=eri] | |
| 2s- | NMLZ-bater/matar | COP-PAS.REM | 1SG-rede | sujar-NMLZ=ABL |
'Foi você quem o matou naquela época devido à sujeira da minha rede (com excrementos).'
[Literalmente: 'A sua matança naqueles dias, por causa da mancha da minha rede.']
Fonte: Galúcio, 2011, p. 36-37
Fonte: autoria própria
Nos dois exemplos abaixo temos uma sentença com a oração adverbial ocorrendo antes ou depois da oração principal, sem mudança de significado.
(27) Oração adverbial condicional/tempo em Sakurabiat
| [o-ib-ra-ab=ese | tabɨr=eri | ka] | ki-po-e-motkwa |
| 1s-vir-REP-NMLZ=LOC | campo=ABL | mover | 1PL.INCL-mão-INTRVZ-fazer-V.TEM |
'Se/quando eu voltar do campo, nós trabalharemos.'
[Literalmente: 'Na minha volta do campo, nós trabalharemos.']
Fonte: Galúcio, 2011, p. 32
Fonte: autoria própria
(28) Oração adverbial condicional/tempo em Sakurabiat
| ki-po-e-motkw-a | [o-ib-ra-ab=ese | tabɨr=eri | ka] |
| 1PL.INCL-mão-INTRVZR-fazer.V.TEM | 1SG-vir-REP-NMLZ=LOC | campo=ABL | mover |
'Nós vamos trabalhar quando/se eu voltar do campo.'
[Literalmente: 'Nós trabalharemos na minha volta do campo.']
Fonte: Galúcio, 2011, p. 33
(29) Oração adverbial condicional/tempo em Sakurabiat
| o-k-a | kot | kaab=ese | i-ko | pa | ẽt | te | pe=ɨa | perek | ki | sete |
| 1s-ingerir-V.TEM | FUT.IMED | DEM=LOC | 3s-ingerir | FUT | você | FOC | OBL=lagoa | longo | água | ela/ele |
"'Você vai me comer se/quando você beber toda a água da longa lagoa' ela disse".
Fonte: Galúcio, 2011, p. 34
Os exemplos (30) e (32) abaixo não apresentam nominalização com =ab como em (31), mas um sintagma nominal com ou sem determinante — (32) e (30), respectivamente — seguido de uma posposição. Isso indica, como visto em Karitiana, que também em Sakurabiat nem todas as posposições selecionam SNs, podendo selecionar SVs:
(30) Oração adverbial de razão em Sakurabiat
| aose | se-ekibõ | noat | poret | [ | [asoap | sese]=eri] |
| homem | 3C-caminhar | NEG | agora | chuva[n.] | muito=ABL |
'As pessoas não saem agora porque chove muito.'
[Literalmente: 'As pessoas não saem agora pela chuva excessiva.'
Fonte: Galúcio, 2011, p. 37
(31) Oração adverbial de razão em Sakurabiat
| õt | o-akara | õt | [o-etayap-ka-ab]=ese] |
| eu | 1SG-cair | eu | 1SG-escorreguei-TR-NMLZ=LOC |
'Eu caí porque eu escorreguei.'
[Literalmente: 'Eu caí na minha escorregada.']
Fonte: Galúcio, 2011, p. 37
(32) Oração adverbial de razão em Sakurabiat
| [kẽra | sete | sĩĩt | kaat | kaab=ese] | okie | ki-asega-a-t |
| NASSERT | ele/ela | pequeno | QUOT | that=LOC | nós | 1PIN-aumentar-V.T-PAS |
'Parece que o pequeno disse: "Por essa razão, aumentamos em número de novo."
Fonte: Galúcio, 2011, p. 37
Uma segunda estrutura possível para as orações adverbiais que Galucio (2011) menciona é o uso de auxiliares aspectuais imperfectivos para expressar relações de tempo e aspecto. Exemplos são apresentados e discutidos abaixo. Essa estratégia (2) nos dados envolve um auxiliar de posição do corpo e um sufixo de aspecto imperfectivo e tempo passado na análise da autora. Escolhemos, por hora, representá-los como um único núcleo aspectual na estrutura arbórea (já que não estamos convencidos de que tempo passado seja expresso por -a nestas orações, pois não há nenhuma ocorrência nos dados de sentenças no presente ou futuro). Veremos que, em Gavião, também ocorre um sufixo -a em adverbiais deste tipo e em outros tipos de constituintes em sentenças complexas, cuja função não está clara no momento:
(33) Oração adverbial de tempo em Sakurabiat
| [o-er-a | o-to-a] | e-e-pɨbor-a |
| 1SG-dormir-V.T | 1SG-AUX.deitado-IMPF.PAS | 2s-INTRVZR-chegar-V.T |
'Enquanto eu estava dormindo, você chegou.'
Fonte: Galúcio, 2011, p. 36
Fonte: autoria própria
(34) Oração adverbial de tempo em Sakurabiat
| pagop-taɨp | ese-kwar-a-t | [i-er-a | i-to-a] |
| novo-menino | SOC-sair-V.T-PAS | 3-dormir-V.T | 3-AUX.deitar-IMPF.PAS |
'Ele carregou o menino enquanto ele estava dormindo.'
Fonte: Galúcio, 2011, p. 36
A estratégia (3) descrita por Galúcio para adverbiais em Sakurabiat é a verbalização de SNs através do verbalizador – nã, formando um SV:
(35) Oração adverbial de razão em Sakurabiat
| [[o-taka | maŋa | sete | kaat]=nã] | õt | o-e-pirik |
| 1SG-virar | CAUS | ela/ele | DEM=VBLZR | eu | 1SG-INTR-cair |
'Ele me fez virar, por isso eu caí.'
(Literalmente: 'Ele me fez virar, por ser dessa forma eu caí.')
Fonte: Galúcio, 2011, p. 38
Fonte: autoria própria
(36) Oração adverbial de razão em Sakurabiat
| [[kiakop | se-koype | tapoka-a-t | kɨbaapi=iri | kaat]=nã] | põrã | i-eikwa | nop | te | i-top |
| sol | 3C-irmã | queimar-V.T-PAS | cultivo.campo=ABL | DEM=VBLZR | ênfase | 3SG-gostar | NEG | FOC | 3SG-pai |
'O Sol (Kiakop) queimou sua irmã no campo de cultivo, por isso seu pai não gosta dele.'
Fonte: Galúcio, 2011, p. 38
(37) Oração adverbial de propósito em Sakurabiat
| ãsi | asisi | perop-ka-a-t | [[tɨero | motkwa-ap]=nã] | |
| mãe | milho | cozido-TR-V.T-PAS | chicha | fazer.V.T-NMLZ | =VBLZR |
'Minha mãe cozinhou o milho para fazer a chicha.'
(Literalmente: 'Minha mãe cozinhou milho para se tornar o que faz a chicha.')
Fonte: Galúcio, 2011, p. 39
A estrutura da sentença abaixo não está clara porque não sabemos se esposa é o nome ligado ao verbalizador, a ser lido como "para esposar (seu irmão)", mas acreditamos que sim:
(38) Oração adverbial de propósito em Sakurabiat
| sete | i-õp | [[ | se-kip | aisi] | = | nã] | ||
| ele | ou | ela | NMLZ-dar | 3C-irmão | mais | novo | esposa | VBLZR |
'Ele deu ela para ser esposa do seu irmão.'
Fonte: Galúcio, 2011, p. 39
A estratégia (4) faz uso de vários sintagmas verbais ligados por adjunção à oração principal, que normalmente contém um verbo de movimento:
(39) Oração adverbial de propósito em Sakurabiat
| amio-apiit | nã | i-ko-a | seteyar-ib-ra | [se-iko | ka-ra | tiero | ka | se-aso-a] |
| cabeça-meio | VBLZR | 3-AUX.MOV-PRG.PAS | eles-vir-REP | 3C-comida | ingerir-REP | chicha | ingerir.V.T | 3C-banhar-se-V.TEM |
"No meio do dia, eles voltam para comer, beber chicha e tomar banho".
Fonte: Galúcio, 2011, p. 41
Fonte: autoria própria
O sufixo -a que aparece em adverbiais com auxiliares aspectuais em Sakurabiat foi glosado de maneira diversa em diferentes publicações. Em Galucio (2011) ele aparece como progressivo passado (34), mas em outros trabalhos como vogal temática (como em (39)). Um morfema com a mesma forma -a foi glosado como marcador sintático de fim de oração em Gavião. Este morfema deve ser estudado mais a fundo para termos certeza sobre a sua função em cada caso tanto em Sakurabiat como em Gavião, pois ele nos parece importante para explicar a formação de vários tipos de adverbiais nas duas línguas.
Concluindo a seção, vimos que em Sakurabiat orações adverbiais podem ser orações nominalizadas (NPs, DPs) e seguidas ou não de posposições (PPs), podem ser orações nucleadas por Aspecto (AspPs), ou podem ser orações formadas apenas por um ou múltiplos sintagmas verbais (VPs). Podemos dizer que as estratégias de nominalização, e o uso de morfemas de aspecto para formar adverbiais são semelhantes em Karitiana e Sakurabiat. No entanto, em Karitiana, há sempre um adverbializador, o que não parece ocorrer em Sakurabiat. Há ainda um sufixo -a em adverbiais temporais em Sakurabiat que não está bem explicado.
ORAÇÕES ADVERBIAIS NA SUBFAMÍLIA JURUNA
Um ponto em comum entre a língua Juruna e a língua Karitiana parecer ser o uso da negação nas adverbiais temporais que indicam anterioridade. A tradução do exemplo abaixo, que em português é "antes de morrer, o velho conversou com o filho dele" poderia ser parafraseado como "quando não tinha morrido, o velho conversou com o filho dele".
(40)
| [na | 'ẽ'ã́ṹ | dáde] | adúríá | dulapḯká | dju | kamenu |
| NEG | morrer-NEG | CONJ | velho | 3SG=filho | COM. | falar/conversar |
"Antes de morrer o velho conversou com o filho dele".
Note que a negação ocorre juntamente com a conjunção subordinadora dade na sentença (40), dado extraído de Fargetti (2001). A autora considera que as subordinadas adverbiais ocorrem com estas conjunções subordinadoras na língua, enquanto Lima e Thomas (2017) consideram que estes morfemas são marcas de switch reference (referência de sujeito igual=SI ou sujeito diferente=SD com relação ao sujeito da oração principal). Note que em Karitiana (Storto; Vivanco, 2021) e Sakurabiat (Galucio, 2014) também há um pronome de terceira pessoa nas adverbiais que se cliticiza ao verbo e marca que o sujeito da oração dependente é correferencial ao sujeito da oração principal.
Em Yudja ou Juruna (subfamília Juruna, família Tupi), usam-se marcadores de referência (switch reference) como estratégia para indicar a identidade do sujeito em orações adverbiais temporais e condicionais (Lima e Thomas 2017). De acordo com Lima e Thomas, há marcadores de sujeito diferente (SD) e sujeito igual (SS) na oração dependente, tade e dade~kade, respectivamente (kade é usado apenas para a primeira pessoa do singular), para fazer referência ao sujeito da oração principal (ver também a análise anterior destes morfemas como advérbios em Fargetti, 2001):
(41) Yudja ou Juruna
| [Anana | txa'-a | tade] | una | aka | pïtxik-a |
| [Anana | ir-IRR | SD] | eu | casa | limpar-IRR |
'"Quando Anana sair, eu vou limpar a casa."'
Fonte: Lima; Thomas, 2017
(42) Yudja ou Juruna
| [txa'-a | dade] | udi | aka | pïtxik-a |
| [ir-IRR | SI] | nós | casa | limpar-IRR |
'"Quando nós sairmos, vamos limpar a casa."'
Fonte: Lima; Thomas, 2017
(43) Yudja ou Juruna
| [Una | txa'-a | kade] | una | aka | pïtxik-a |
| [eu | ir-IRR | SI] | eu | casa | limpar-IRR |
'"Quando eu sair, vou limpar a casa."'
Fonte: Lima; Thomas, 2017
(44) Yudja ou Juruna
| [D-aka | he | au | dade] | au | iy-u | anu |
| [3POSS-casa | em | estar | SI] | estar | dormir-REALIS | ASP |
'"Se ele estiver em casa, ele está dormindo."'
Fonte: Lima; Thomas, 2017
(45) Yudja ou Juruna
| [Suzi | kuperi | au | tade] | Chadawa | d-aka | he | au | anu |
| [Suzi | trabalhar | estar | SD] | Chadawa | 3.POSS-casa | em | estar | ASP |
'"Se a Suzi está trabalhando, Chadawa deve estar em casa."'
Fonte: Lima; Thomas, 2017
É interessante constatar que as orações temporais e condicionais de Yudja, apresentadas acima, que têm conjunções traduzidas em Português Brasileiro (PB) como 'quando' e 'se', respectivamente, são representadas em Karitiana pelo uso na oração dependente de um mesmo marcador de auxiliar aspectual. O auxiliar aspectual tykiri, que significa 'quando', 'se' e também pode ser usado, ainda, com uma terceira tradução de 'porque' em PB. Este fenômeno já foi notado antes em Gijn et al (2015). Isso levanta a possibilidade de que algumas das línguas Tupi talvez não façam uma distinção entre orações adverbiais temporais de coincidência pontual ('quando'), condicionais ('se') e de razão ('porque'). Este fato merece uma descrição, análise e explicação aprofundada.
Representamos a estrutura arbórea destas adverbiais em Yudjá pela projeção de um complementizador (C) que tem traços de switch reference (+SR). Como nas outras línguas, o adjunto pode estar tanto à direita como à esquerda do IP. No entanto, acreditamos ser possível que estes morfemas sejam de outra categoria, a ser definida após uma descrição mais aprofundada:
Fonte: autoria própria
ORAÇÕES ADVERBIAIS NA SUBFAMÍLIA TUPI-GUARANI
Assim como vimos acima em Yudjá, em Guarani Mbya também é possível utilizar switch reference em conjunções que expressam se a referência do sujeito da oração dependente é igual ou diferente do sujeito da oração principal (SI ou SD, respectivamente). Os dados e análises foram extraídos de Thomas (2023) e apresentados por Geiger (2023):
(46) Adverbiais de Motivo
| Kuee, | Juan | o-pyta | ng-oo | [py, | oky | ramo] |
| ontem | Juan | A3-ficar | REFL-casa | em | chuva | SD |
'Ontem, Juan ficou em casa porque estava chovendo'
(47) Adverbiais de Condição
| [Juan | o-ĩ | vy | ng-oo | py] | o-ĩme | 'rã | o-ke |
| Juan | A3-estar | SI | REFL-casa | em | A3-estar | dever | A3-dormir |
'Se Juan está em casa, deve estar dormindo'
(48) Adverbiais de Propósito
| Jagua | o-o | ka'aguy-re | [tatu | o-juka=vy] |
| cachorro | A3-ir | mata-para | tatu | A3-matar=SI |
'O cachorro foi para a mata para caçar tatu'
(49)
| A-ñoty | avachi | [ha-'u=aguã] |
| A1SG-plantar | milho | A1SG-comer-NMLZ.FUT |
'Planto milho para comer'
No exemplo acima há uma estratégia diferente da indexação na formação da oração adverbial de propósito. O nominalizador com sentido de futuro aguã é usado no final da adverbial para indicar o propósito de se plantar milho, ou seja, para comer (literalmente, "para alimentação").
(50) Adverbiais de Tempo
| [Maria | o-vaẽ | rire], | Juan | o-o=ta | ka'aguy | r-e |
| Maria | A3-chegar | depois | Juan | A3-ir=PROSP | mata | R-para |
'Depois que Maria chegar, Juan vai ir para a mata'
(51)
| [Juan | a-jou | jave] | he'i | i-kane'õ=a |
| Juan | A1SG-encontrar | quando | A3.dizer | B3.cansado=NMLZ |
'Quando eu encontrei o Juan, ele disse que estava cansado.'
(52)
| [Maria | o-vaẽ | e'y | re], | Juan | o-o=ta | ka'aguy | r-e |
| Maria | A3-chegar | antes | Juan | A3-ir=PROSP | mata | R-para |
'Antes da Maria chegar, Juan vai ir para a mata.'
(53)
| [Maria | o-mba'apo | jave], | Juan | o-ke | o-upy |
| Maria | A3-chegar | enquanto | Juan | A3-dormir | A3-deitar.V2 |
'Enquanto Maria está trabalhando, Juan está dormindo.'
As quatro orações adverbiais temporais acima usam uma terceira estratégia diferente na sua formação: um subordinador de tempo. A adverbial de tempo abaixo usa indexação de pessoa (switch reference):
(54)
| [Juan | o-vaẽ | vy] | o-echa=ta | Maria | pe |
| Juan | A3-chegar | SI | A3-ver=PROSP | Maria | OD |
'Quando o Juan chegar, ele vai ver a Maria'
Assumiremos para a língua Guarani Mbyá que as projeções adverbiais são projetadas por complementizadores (C). Eles podem ou não ter traços de switch reference, como vimos acima.
Fonte: autoria própria
ORAÇÕES ADVERBIAIS NA SUBFAMÍLIA MONDÉ
Não há um trabalho específico sobre orações adverbiais em Gavião, mas extraímos de trabalhos de Moore sobre outros assuntos, como sua dissertação de Ph.D., um artigo sobre relativas e uma apresentação sobre construções com auxiliares, sentenças de Gavião traduzidas em português como adverbiais temporais ou de razão/propósito, que gostaríamos de discutir neste artigo.
Moore (2006, p. 140) apresenta algumas orações adverbiais nominalizadas em Gavião sufixadas por posposições. No exemplo abaixo, a nominalização por méne é o complemento da posposição 'em'. Em seguida, este PP é marcado pelo sufixo -a, que, na nossa opinião, poderia ser, neste uso, um marcador de oração adverbial ou de ajunto (semelhante ao adverbializador de Karitiana). Moore (2023) considera este morfema um marcador sintático que ocorre à direita de orações, auxiliares e sintagmas verbais (glosamos este elemento como MS=marcador sintático):
(55)
| "eé-na | tá-máà | a-ma-ágá̩á, | [a-kapá̩p | ma-' | -í̩í | aá-néè | méne] | ká]-á]" | kí-ip |
| aquela-maneira | 3PL-AUX:passado | 3C-TRANS-amanhecer | 3C-escuro | TRANS-entrar | 3C-(AUX:passado:definido)-nominal | NMLZ:abstrata | em-MS | evidência-passado |
'Assim eles fizeram ficar de dia [quando eles fizeram a escuridão entrar de novo].'
Há também, em Gavião, a possibilidade de o morfema que limita a oração adverbial e que a marca como uma adverbial temporal ser um subordinador de tempo (abí), de acordo com Moore (2021, p.2). Neste exemplo, interpretamos que o subordinador talvez seja o item traduzido como 'que', que juntamente com 'depois', forma um subordinador complexo 'depois que':
(56) Gavião
| [eé | bó] | [tá-mága | [[aa-ja-'i͂ì] | a-já-boys]' | [eé | abí] | [a-volò]-á | |
| então | FOC | 3PL-AUX | 3C-rosto-entrar | (=crescer) | 3C-AUX-pós-fatual | que | depois | 3C-vir-MS |
'Então chegarão [depois de já terem crescido].'
Fonte: Moore, 2021, p. 2
Fonte: autoria própria
A sentença (56) está representada na estrutura arbórea (14). O verbo da oração matriz, que é 'chegar', nesta sentença aparece após a oração adverbial, o que interpretamos ser um movimento de adjunção do VP da oração principal ao VP da oração adverbial.
Moore (1984, p. 264) traduz o morfema ká como 'porque' em (57), o que pode ser um indício de que é um subordinador adverbial de razão (ou propósito, julgando pela tradução) neste caso. No entanto, este morfema subordinador tem a mesma forma da posposição ká do exemplo (55), analisado por Moore como posposição, o que sugere que posposições são usadas como indicadores temporais em subordinadas adverbiais:
(57) Gavião
| eé-na | tó-máa | [tága | vi͂-i | ká] | mákiì | ále-á | |
| que-como | 1pi-ASR | (AUX) | argila | cozinhar-NSB.NZ | porque | (3SG)-fazer+PL.o | FUT-MS |
'Estamos fazendo eles assim para cozinhar.'
Fonte: Moore, 1984, p. 264
Moore (2023) descreve e analisa vários tipos de auxiliares em Gavião, e as construções sintáticas em que cada tipo de auxiliar ocorre e desta discussão tiramos os exemplos apresentados abaixo, bem como propostas de análise e estruturas para estas sentenças complexas. A língua Gavião utiliza auxiliares em vários tipos de sentenças. Para fins comparativos, gostaríamos de selecionar apenas três construções: a chamada construção de cópula com a cópula (em nossa interpretação, um tipo de auxiliar) máà e as chamadas orações subordinadas com (i) VPs múltiplos ou com (ii) oração do tipo adverbial, exemplificada em (55) (descrita como subordinadas S' por Moore (2023)). Os três tipos de construção recebem um marcador sintático -á no final da oração subordinada ou na cópula:
(58)
| vãavã́́a | ẽ-záno | máà-á |
| pajé | 2SG-irmão | AUX(COP)-MS |
'Seu irmão é pajé'
Construção de cópula com predicador in-situ:
Fonte: autoria própria
Fonte: autoria própria
Moore (2023) afirma que o predicador na construção de cópula (58) é o sintagma vãavã́́a 'pajé', que foi movido via adjunção à oração de cópula para a primeira posição, mas teria como base a posição após o auxiliar (cópula). Neste caso, em nossa análise, o movimento de adjunção do predicado 'pajé' ao início da sentença seria marcado pelo morfema -á na cópula e não no predicado, por se tratar de uma predicação não-verbal. Em (55) a oração adverbial é marcada por -á por se tratar de um adjunto adverbial e em (56) o VP movido via adjunção para o final da sentença também é marcado por -á. Neste caso, o VP 'eles chegarão' estaria construído, na posição de base, in situ, como a auxiliar mága, que aparece no início da sentença principal. Nas estruturas sintáticas que propomos para estas sentenças, o movimento deixa um traço (t) na posição original de onde os adjuntos foram movidos.
ORAÇÕES ADVERBIAIS NA SUBFAMÍLIA RAMARAMA
A língua Karo foi descrita por Gabas Júnior como contendo orações adverbiais dos seguintes tipos: tempo (kanâp), propósito (nât), razão (yeye) e condição (wetik, yatik, tik). O autor considera que todas elas são introduzidas por subordinadores, que aqui representamos sintaticamente como complementizadores (C).
(59) Karo
| oya?wan | [a?kera | kanãp] | |||
| o=ya?wat-t | [a?=ket-a | kanãp] | 1sg=sair-ind1 | 3sg=dormir-ger | tempo |
"Eu saí quando ele dormiu."
Fonte: Gabas Jr., 1999, p. 157
Fonte: autoria própria
A figura 17 indica que o CP que representa a oração adverbial em Karo é um adjunto do IP, que é a oração matriz.
ORAÇÕES ADVERBIAIS NA SUBFAMÍLIA MAWÉ
A língua Sateré-Mawé (subfamília Mawé) tem orações adverbiais de propósito (finalidade) formadas com a partícula hamo, as de tempo traduzidas por "quando" são formadas com a partícula turan e as traduzidas por "depois" são formadas por -rẽ.
(60) Sateré-Mawé
| ati'auka | guariba | atu'u | hamo | ||||
| a-ti-'auka | guariba | a-tu-'u | hamo | 2sg:a-rel-matar | guariba | 1sg:a-rel-comer | part:fin |
"eu matei guariba para eu comer."
Fonte: Silva, 2010, p. 286
Fonte: autoria própria
De acordo com Silva (2010), a língua Sateré-Mawé também utiliza morfemas nominalizadores para formar orações adverbiais. Há orações adverbiais de assunto/razão que recebem o morfema nominalizador hap e podem ocorrer como objeto de posposições locativas.
Fonte: autoria própria
Concluímos esta seção indicando que há duas estruturas descritas na literatura para orações adverbiais em Sateré-Mawé, a saber, uma oração adverbial projetada por C (Figura 17) e uma oração adverbial projetada a partir da posposição ete, cujo complemento é uma oração nominalizada.
ORAÇÕES ADVERBIAIS NA SUBFAMÍLIA AWETI
A língua Aweti consta na literatura (Drude, 2011) como tendo subordinadores de tempo (nos exemplos apresentados, tu para posterioridade e tuwo para 'quando'), condição (tuwo~wo) e propósito (papan, apan, sendo que paw e kaw são usados como gerúndios com tradução de propósito). Imaginamos que estes casos de gerúndio propositivo possam envolver nominalização.
(61) Awetí
| ['ukakyt | ti'ing-oko-tuwo] | kitã | nã-to-zoko-tu | nãtsoa | me |
| galo | falar-IPFV-COND | PTL | 3-ir-IPFV-SUBJ | lá.para | PTL |
"Quando o galo cantava, ele costumava ir até lá."
Fonte: Drude, 2011, p. 214
(62) Awetí
| azoj-kozỹ | ĩ | me | [tytapong | tem-papan] |
| 13-mexer | isso | PTL | vapor | sair-PROP |
"Mexemos (sopa de fécula de mandioca) para que o vapor saia (quase ferve)."
Fonte: Drude, 2011, p. 214
Fonte: autoria própria
ORAÇÕES ADVERBIAIS NA SUBFAMÍLIA MUNDURUKU
Em Munduruku, temos as seguintes conjunções subordinadoras, de acordo com Gomes (2006): as formas iniciadas por /b/ ocorrem após vogal, e as por /p/ após consoante: bima ~ pima: 'antes, enquanto, no momento em que (quando); se'; buje ~ puje: 'depois'; e buye ~ puye: 'porque'. O autor afirma que as conjunções subordinadoras são muito parecidas com as posposições, pois ocorrem com morfemas relacionais, e com marcadores de pessoa. De acordo com o autor, as posposições não correlacionam predicados e podem ocorrer com orações quando elas são nominalizadas por -at ou -ap, o que não ocorre com as conjunções.
(63)
| [[w=aypan] | puje]] | i-cokcok | ip | o'e | |
| 1s=crescer | depois | 3SP-ser | feliz | eles | AUX |
"Depois que eu cresci, eles ficaram alegres."
(64)
| ixe-m | õn | w=etaybit | g̃u | [[o=jo-jo | g̃u | ma] | buye] | |
| aquele | lá-INSTR | eu | 1SG=saber | NEG | 1SG=3O-ver | NEG | muito | porque |
"Eu não conheço aquele lá, porque eu não o vi."
Fonte: autoria própria
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As estruturas sintáticas apresentadas para as línguas Karitiana e Sakurabiat não projetam tempo porque são orações adverbiais formadas por um VP modificado por um nominalizador, ou um núcleo de aspecto; estas estruturas podem tornar-se complemento de posposições ou, no caso do Karitiana, também de uma negação e de um adverbializador. Trata-se de orações que não possuem tempo nem complementizadores.
A subfamília Mondé apresenta adverbiais com subordinadores (CP) em Gavião, além de nominalizações (NP) e orações com posposições (PP), mas é preciso saber mais sobre os tipos semânticos e sintáticos das orações adverbiais na língua. A posposição ká em Gavião, encontrada em mais de um subordinador na língua (exs. (55) e (57), por exemplo), pode ser cognata com o morfema ka- do Karo, encontrado em kanãp 'quando'.
Awetí e Sateré-Mawé (famílias Aweti e Mawé, respectivamente) têm subordinadores, aparentemente com a mesma estrutura sintática, sendo que, de acordo com as descrições, apenas Sateré também tem nominalizações (com hap cognato com os nominalizadores -pa de Karitiana e -ap de Sakurabiat) envolvidas nas adverbiais. No entanto, sustentamos que o gerúndio usado para marcar propósito em Aweti envolva nominalização com a forma -aw ~ -(a)p (-ap→ -aw) ou seja derivado de um nominalizador em Proto-Tupi (Bento 2023) que é cognato com hap em Mawé. Finalmente, o subordinador tu 'posterior' em Awetí (que também ocorre na forma tuwo como 'quando') e a primeira sílaba do subordinador turan em Sateré podem ser cognatos.
Podemos também afirmar que todas as subfamílias Tupi localizadas fora de Rondônia têm orações adverbiais com a estrutura (CP) projetada a partir de um subordinador (C) de acordo com a literatura. Tanto Awetí quanto Sateré-Mawé, portanto, teriam subordinadas com a mesma estrutura sintática, sendo que apenas Sateré tem nominalizações envolvidas nas adverbiais. Em Aweti uma construção de finalidade fazendo uso de morfologia identificada como gerúndio é mencionada, mas não está claro ainda se se trata de um tipo de nominalização ou não.
O fenômeno de switch reference (indexação de mesmo sujeito ou sujeito diferente) nas orações adverbiais em Yudjá (subfamília Juruna) e em Guarani Mbyá (subfamília Tupi-Guarani) aparece mencionado na literatura. Guarani Mbyá também tem subordinação (complementização) e nominalização como uma estratégia de formação de orações adverbiais. Aweti, Sateré-Mawé e línguas Tupi-Guarani têm uma maior proximidade genética entre si. No entanto, das três, apenas Guarani Mbya foi descrita recentemente como contendo switch reference em seus subordinadores (C), que tradicionalmente são descritos como tipos de nominalização (Rodrigues; Cabral, 2012). Yudjá e Munduruku são línguas representando duas outras subfamílias que se encontram geograficamente fora de RO e também formam adverbiais com subordinadores (complementizadores), de acordo com a literatura. O fenômeno de switch reference deve ter se desenvolvido independentemente nestas duas línguas a partir de contato com outras línguas de fora de RO, pois não parece haver cognatos para estas formas.
O quadro abaixo resume os padrões aqui discutidos, em algumas línguas das 9 subfamílias da família linguística Tupi. Não se trata de uma lista exaustiva das formas envolvidas em adverbiais em cada uma das línguas, mas daquelas que foram discutidas na literatura especializada. Acreditamos que ainda seja necessário aprofundar a descrição do fenômeno na maior parte das línguas:
Fonte: autoria própria
Em nossa opinião, todas as orações adverbiais descritas na literatura de línguas Tupi como contendo subordinadores (complementizadores) devem ser mais bem estudadas, pois se elas não contém tempo, modo ou concordância não está claro se elas poderiam conter complementizadores, que costumam ter como complemento sintagmas flexionais (IPs) finitos. É possível que as palavras que são descritas como complementizadores sejam na verdade morfemas de aspecto, nominalização, adverbialização, e parecem, em alguns casos, ser raízes e conter prefixos e/ou sufixos Por exemplo, a palavra hamo em Sateré-Mawé, que é usada para indicar adverbiais de finalidade, deve ser composta de hap, descrita como nominalizador, e do sufixo -o. Em Aweti, o complementizador tuwo, traduzido como 'quando', é formado por tu e wo, que aparecem independentemente como complementizadores de posterioridade e condição, respectivamente.
Outra questão que deve ser esclarecida em cada língua é a semântica de "tempo" citada em orações adverbiais na literatura de Guarani (aguã, que indica nominalizador de propósito ou finalidade no futuro) e Gavião (abi 'depois'). Não está claro se nestes casos a noção relevante é tempo futuro ou aspecto posterior (que poderia ser compatível com um contexto de passado, presente ou futuro, por exemplo). Em Sakurabiat o sufixo -a de aspecto imperfectivo também é glosado como contendo sentido de tempo passado, o que deve ser esclarecido e diferenciado da noção aspectual de anterioridade, por exemplo.
Mesmo com todos os problemas apontados, apresentamos os possíveis cognatos identificados nas línguas analisadas usados para marcar orações adverbiais. Os dados acima, e aqueles apresentados em Wolski (2024), que incluem algumas línguas não tratadas neste artigo, sugerem os cognatos listados no quadro 2.
Fonte: autoria própria
A primeira coluna mostra que os reflexos do nominalizador *-ap do Proto-Tupi aparecem em algumas orações adverbiais em Aweti como gerúndio, e em Karitiana, Sakurabiat e Sateré-Mawé como nominalizador. De acordo com Bento (2023), os reflexos deste proto-morfema ocorrem em todas as famílias, e, de fato, encontramos um possível reflexo dele em Karo -p (Bento 2023: 63). Deveríamos procurar nas outras cinco línguas orações adverbiais que contenham reflexos deste nominalizador do Proto-Tupi, já que ele, de acordo com Rodrigues, é um nominalizador de circunstância, e orações adverbiais descrevem circunstâncias nas quais as orações principais ocorrem. O fato deste tipo de adverbial derivar historicamente de um nominalizador poderia ser usado como evidência para explicar a ausência de tempo nestas orações nas línguas filhas.
No entanto, não há evidência de nominalização em todos os tipos de adverbiais descritos neste estudo, nem em Bento (2023). Pelo contrário, há orações verbalizadas em Sakurabiat, e adverbializadas em Karitiana. Há adverbiais marcadas por aspecto em ambas as línguas, há sintagmas posposicionais traduzidos por orações adverbiais, e há orações consideradas como contendo conjunções subordinadoras, mas está claro que é necessário entender melhor estas últimas, pois as partículas usadas como subordinadores não parecem ser monomorfêmicas.
Os outros dois morfemas identificados como possíveis cognatos no presente trabalho são tu e ka. O morfema tu nas famílias Mawé e Aweti corresponderia fonologicamente a tɨ em Karitiana da família Arikém (Storto; Baldi, 1994; Storto, 2024), e como vimos nos exemplos desta língua na seção 1, vários morfemas aspectuais em adverbiais temporais do Karitiana ('quando', 'enquanto') são prefixados por ty- que é a representação ortográfica de [tɨ]. O morfema ka ocorre em adverbiais traduzidas como 'quando' em Gavião e Karo, mas também aparece como aspecto imperfectivo de movimento em Karitiana (inclusive prefixado por ty-) e como o verbo 'mover' em Sakurabiat. Acreditamos tratar-se de morfemas de origens diferentes, mas pelas semelhanças semânticas e fonológicas fazemos nota da possibilidade de serem dois cognatos diferentes, um em Gavião em Karo e outro em Karitiana e Sakurabiat.
Este artigo procurou comparar a estrutura sintática das orações adverbiais em todas as famílias de línguas Tupi ainda faladas no Brasil. Bento (2023) discutiu todos os reflexos dos Proto nominalizadores *-ap de uma perspectiva histórico-comparativa. Ambos concluímos que as orações adverbiais nestas línguas não se limitam a nominalizações, e que a sintaxe comparativa Tupi ainda carece de estudos.